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Diagnóstico errado pode não ser culpa apenas do médico

O resultado da consulta também está em suas mãos. Saiba como fazer a sua parte para não ser a próxima vítima

Ciência - 16/10/2012 14:16 (atualizado em 30/11/-0001 00:00)

Um diagnóstico médico errado gera perda de tempo, gasto de dinheiro à toa e, pior, coloca a paciente em risco. Mulheres jovens - presumivelmente saudáveis e pouco habituadas a fazer perguntas - são um prato cheio para o engano. Conheça os hábitos que costumam levar ao equívoco e faça a sua parte para não ser a próxima vítima.

A verdade é que qualquer paciente está sujeita a protagonizar esses episódios de final nada feliz - você, inclusive. As pessoas estão aprendendo a exigir seus direitos no Brasil. De acordo com o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), a quantidade de processos ético-profissionais saltou de 1.022, em 2001, para 3.089, dez anos mais tarde. Nesse mesmo período, o número de condenações subiu 80%: de 246 para 444. Um crescimento muito maior que o da população de médicos em atividade no estado (32%). Conheça as principais causas de erro médico e proteja-se.

Excesso de Trabalho

Dos conselhos de medicina aos professores universitários, há unanimidade de opinião: nossos doutores trabalham demais. Segundo a tese de doutorado sobre erro médico que a socióloga Maria Marce Moliani defendeu na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a precariedade nas condições de trabalho é um dos três grandes fatores para a origem dos processos, ao lado de formação inadequada e autoconfiança exagerada do profissional.

Enquanto pilotos são obrigados a passar pelo menos 10 horas descansando entre os voos, não existe uma definição clara sobre o repouso dos médicos. A legislação brasileira apenas determina o limite de 12 horas de plantão, norma em geral ignorada pelos profissionais, que têm mais de um emprego. Um médico não pregar o olho pode ter consequências negativas. Cirurgiões que dormem menos de 6 horas na noite anterior a um procedimento costumam ter o dobro de complicações em operações que seus colegas descansados, segundo dados da American Medical Association.

Faça a sua parte - Quando for agendar um procedimento, pergunte ao médico quando é o plantão dele - e evite marcar seu atendimento para o dia seguinte. E, se você parar em uma sala de emergência e for atendida por um residente sonolento, peça para trocar de médico. "Ele pode até não gostar, mas precisa aceitar o pedido", afirma o pediatra José Fernando Maia Vinagre, corregedor do Conselho Federal de Medicina. "A autonomia do paciente é soberana."

Autoconfiança Exacerbada

Já ouviu aquela anedota que diz que os advogados acham que são Deus e os médicos têm certeza? Pois ela ilustra bem esse fator identificado pela socióloga Maria Marce: a autoimagem dos médicos. "É uma profissão em que admitir dúvida é quase como se declarar incompetente", explica. Talvez seja a roupa branca ou o título de "doutor", sabe-se lá, mas há algo neles capaz de transformar as mulheres mais mandonas em cordeirinhas. Muitas se sentem intimidadas de fazer perguntas. E é uma situação em que você já está se sentindo vulnerável. "É comum que a relação paciente/médico seja vertical, um se comporta como superior ao outro, como entre pais e filhos", explica Andrew Cook, do Vital Health Institute, nos EUA.

Há outra pedra no caminho: para ter um bom atendimento, tendemos à obediência. E quem nunca escondeu sintomas privados (hello, coceirinha vaginal) para evitar reprovação?

Faça a sua parte - Pense que esse não é um jogo de "nós contra os médicos". Temos de trabalhar em conjunto com eles, com o mesmo afinco destinado à nossa vida profissional e doméstica. Quando estiver no "modo pesquisa", não tenha medo de suas dúvidas arranharem a autoestima alheia. "Arrogância e ego são problemões na comunidade médica, mas os bons profissionais acolhem bem pacientes interessados em conhecer seus tratamentos", diz Richard Klein, autor de Surviving Your Doctors: Why the Medical System Is Dangerous to Your Health and How to Get Through It Alive (inédito no Brasil). Pergunte quanto achar necessário para se sentir tranquila.

Consulta Impessoal

Existem três cenários de atendimento de saúde no Brasil: o particular, o do convênio e o público. Nos dois últimos casos, nem sempre o paciente consegue se consultar com o mesmo médico - a rede credenciada dos convênios vive mudando e nos hospitais estaduais a superlotação atrapalha o processo. E até alguns médicos particulares fazem o tipo "tempo é dinheiro!" e encurtam as consultas para conseguir aumentar o número de atendimentos. "Foi-se o tempo em que era possível manter um contato de longo prazo com um profissional que sabia tudo sobre você e sua saúde", diz o médico Peter J. Weiss, autor de More Health, Less Care: How to Take Charge of Your Medical Care and Write Your Own Personal Prescription for Lifelong Health (inédito no Brasil). "Sem conhecer seu histórico, é mais difícil o especialista acertar o alvo."

Faça a sua parte - Monte um arquivo com seu histórico, incluindo exames, procedimentos, remédios e consultas - trabalhoso, sim, mas uma mão na roda quando trocar de profissional. Porém, mesmo que você faça uma linha do tempo detalhada dos dias de hoje até a fase dos dentes de leite, é provável que o médico não tenha tempo de olhar com a devida atenção. Nesse caso, tenha na ponta da língua um resumo no estilo "cenas do capítulo anterior".

Diagnóstico Precoce

Há milhares de doenças. Exceto pelo doutor House, da série de televisão homônima, a maioria dos médicos vê apenas cerca de 250 tipos delas ao longo da carreira. Isso dá margem a erro: profissionais da saúde aprendem que a doença mais óbvia é a correta - e geralmente acaba sendo. Mas, depois de diagnosticar dezenas de pessoas, é tentador se apressar nas conclusões. Imagine um médico que viu dez casos de garganta inflamada por estreptococos nos últimos dez dias. Se você entrar no consultório com a goela doendo, qual será a primeira coisa a passar pela cabeça dele?

Uma vez estabelecido um diagnóstico, esse rótulo tende a grudar até que apareça alguma evidência gritante de que se trata de outra doença (ou conforme a persistência do paciente). "Diagnóstico é uma questão de jogar contra as probabilidades", diz Peter Weiss. "Ainda que eu tenha 99% de certeza de que seja determinada doença, sempre haverá aquele 1% de perigo que eu esteja enganado."

Faça a sua parte - Parece óbvio, mas é preciso procurar o especialista da área. Muitas mulheres esclarecem dúvidas sobre qualquer problema de saúde com o ginecologista. Ok, a vida moderna é corrida à beça, mas nem por isso você deve abusar dos conhecimentos dele. "Mesmo que você tenha uma relação fantástica com o seu, precisa se habituar a consultas com um clínico geral", sugere a psiquiatra americana Janet Taylor, que trabalha com planejamento estratégico do segmento de saúde, em Nova York. Aumente as chances em seu favor com uma pesquisa antes da consulta - lembre-se, você está estudando o caso, não diagnosticando -, o que permitirá argumentar com o doutor. Mais importante: não pense duas vezes sobre buscar uma segunda opinião. Muita gente se intimida, o que é ruim especialmente para mulheres, já que doenças femininas são mal diagnosticadas - e não esqueça que o tratamento pode ser uma corrida contra o relógio. Um médico confiável não vai se ofender por um parecer de um colega, principalmente se for um especialista. "É um direito do paciente. Não existe essa de se melindrar", afirma o pediatra José Vinagre, do Conselho Federal de Medicina.

Receiturário Pronto

Um levantamento feito nos EUA - e a realidade brasileira não deve mudar nesse caso - mostrou que é de 17 minutos o tempo médio que um especialista leva para ouvir a queixa do paciente, diagnosticá-lo e prescrever o tratamento. Muitos já deixam o bloco de receitas à mão para agilizar o processo. Entre os americanos, a indicação de medicamentos aumentou 39% entre 1999 e 2009. A quantidade de receitas de remédios para dormir cresceu 21 vezes mais depressa que o número de queixas de insônia, segundo o periódico American Journal of Public Health. "Os médicos seguem a tradição de sacar o bloco de receitas, mas podem existir soluções como massagem ou acupuntura", ressalta Peter Weiss.

Faça a sua parte - Antes de comprar o remédio, você deve perguntar ao seu médico: há algum tratamento não alopático que eu possa tentar antes? Por que você escolheu esse medicamento, e não outro? Quais são os prós e contras de ingeri-lo? Se o profissional titubear nas respostas, procure outro. Caso você aceite a prescrição e tome as pílulas, fique atenta ao fato de que nem sempre a mesma solução se aplica a todos os casos. Cada organismo reage de modo diferente a um tratamento. Então, certifique-se de quais são os possíveis efeitos colaterais e não deixe de monitorar seu organismo atentamente. Se o seu tratamento terminou, mas você ainda se sente mal, marque outra consulta logo. Seu médico não vai adivinhar que você está doente, certo? "Sempre lembro meus pacientes que esse follow-up é essencial", diz o médico Napoleon Knight, vice-presidente do Carle Foundation Hospital, nos EUA. "É dever do paciente voltar ao consultório se perceber que não houve melhora." Afinal, ainda que desvendar o quebra-cabeça seja trabalho do médico, ninguém deve se importar mais com a sua saúde do que você mesma.

Como denunciar o erro médico

· Você pode enviar a reclamação para o Conselho Regional de Medicina do seu estado pelo correio. Pode ser o próprio paciente ou um familiar: o importante é que haja identificação e assinatura do denunciante. O prontuário médico deve acompanhar a queixa. Não são aceitas acusações por e-mail, telefone ou anônimas.

· Outra opção é comparecer pessoalmente a uma das sedes que os CRMs mantêm nas capitais e em cidades do interior.

· Hospitais, serviços de saúde, Ministério Público, Poder Judiciário e delegacias são algumas das instituições que também podem encaminhar reclamações para o conselho.

· O CRM de seu estado pode, por iniciativa própria, denunciar um especialista por erro, por exemplo quando são veiculadas em meios de comunicação. O Cremesp recebe, em média, dez denúncias por dia.
 
5 doenças que passam despercebidas
 
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· Disfunções hormonais

· Doenças na tireoide atingem uma em cada oito mulheres, mas são tidas por ovário policístico e depressão. O trio causa alterações no humor e ganho de peso, falsamente atribuídos a falta de exercícios e dieta. Os médicos nem sempre perguntam em que fase do ciclo menstrual os piores sintomas aparecem, desprezando um indício da desordem. Testes de sangue (hormônios TSH e T4) e ultrassom completam o diagnóstico.

· Câncer de ovário

· O papanicolau aponta o câncer cervical, mas os testes estão em desenvolvimento no que diz respeito à versão ovariana. Esse câncer pode causar distensão e dores abdominais, confundidos com síndrome do intestino irritável. O diagnóstico é feito por palpação do abdômen, ultrassom, ressonância magnética e um exame de sangue para medir a proteína CA125.

Doenças do coração

Embora seja a causa de mortalidade número 1 entre as mulheres, muitos médicos ainda a consideram uma enfermidade masculina. Os doutores às vezes interpretam os sinais de alerta (dor no peito irradiando para o braço, sudorese, dor nas costas, queimação no estômago, enjoo, náuseas e cansaço inexplicável) como desordens de ansiedade.

Endometriose

Levam-se em média sete anos para a paciente descobrir a doença, que atinge de 10 a 15% das mulheres em idade fértil. São indícios cólica, dor na relação sexual e menstruação irregular. O diagnóstico é feito por meio de ultrassom, ressonância magnética, ecocolonoscopia e dosagem do CA125. Falta de zelo e de conhecimento do médico fazem a enfermidade passar batida.

Doenças autoimunes

Males como lúpus e fibromialgia - mais incidentes no sexo feminino do que no masculino - são confundidos com stress. Sintomas como dores nos ossos e fadiga também são recorrentes em casos de depressão e ansiedade, atribuídos a quem sofre de doenças autoimunes. O diagnóstico de ambas as doenças é um jogo de xadrez, feito por meio de um cruzamento de dados.
 
Tome as rédeas do seu checkup
 
1. Faça uma lista

Escrever seus sintomas, dúvidas e medicações que tem tomado evita o que Napoleon Knight chama de "Ah, mais uma coisinha", aquele momento em que a consulta está no fim e você se lembra de um dado crucial.

2. Diga a verdade

Honestidade total sobre informações como uso de drogas e prática sexual é inegociável. "Seu médico está lá para tratar você, não julgar", diz Janet Taylor. "Caso ele pareça ofendido, não é a pessoa que você procura."

3. Peça uma tradução

"Os médicos muitas vezes não percebem que estão usando uma linguagem que só especialistas entendem", afirma Richard Klein. Se o medicinês está difícil de compreender, sinalize. Peça ao doutor para falar mais devagar e simplificar o vocabulário.

4. Anote

É difícil reter a enxurrada de informações, sobretudo quando você recebe uma notícia difícil. Anote o que o seu médico tem a dizer sobre causas, tratamentos e cura. Depois repasse as informações com calma em casa.

5. Informe-se sobre os exames

Nem todos os testes são iguais: alguns apresentam resultados precisos, enquanto outros são mais vagos. Informe-se sobre as peculiaridades dos exames, incluindo falsos positivos e negativos.

6. Faça o follow-up

Não imagine que os resultados foram ok só porque seu médico não lhe deu retorno. Acesse o site do laboratório, ligue ou vá pessoalmente atrás dos números e dos laudos.

Fonte: Mdemulher
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